(FOLHAPRESS) - Paulo Roberto Falcão, 71, é uma das pessoas entusiasmadas com a contratação do italiano Carlo Ancelotti, 65, para dirigir a seleção brasileira. Velho amigo do italiano, vê nele as qualidades necessárias para fazer sucesso no time nacional verde-amarelo.
O catarinense teve Ancelotti como companheiro durante toda a sua agem pela Roma, nos tempos de jogador, de 1980 a 1985. Depois disso, manteve regular contato com aquele que agora é o comandante do Brasil rumo à Copa do Mundo de 2026.
Segundo Falcão, Carlo, como faz questão de chamar, vai saber lidar com situações espinhosas, dentro e fora de campo. O bom humor e a humildade, aposta, serão as armas para resolver problemas.
"É uma liderança que vejo no Carlo", disse o ex-jogador à Folha de S.Paulo. "É um cara espetacular, não mudou absolutamente nada. Ele não é afetado por tudo o que ganhou. Torço para que ele possa fazer um bom trabalho, e certamente vai fazer."
PERGUNTA - Como começou a sua relação com o Carlo Ancelotti?
PAULO ROBERTO FALCAO - Eu o chamo sempre de Carlo. Quando eu cheguei à Roma, em agosto de 1980, ele estava chegando também do Parma. Ele não mudou absolutamente nada, a não ser as vitórias [risos]. Mas não mudou nada, especialmente a humildade. Ele não é afetado por tudo o que ganhou. Ele trata todo o mundo da mesma maneira, é um cara espetacular. Como treinador, não preciso falar nada. Ganhou tudo em todo lugar que trabalhou. Então, eu gostei muito da vinda dele. Acho que o Brasil vai ganhar com ele, assim como ele vai ganhar a experiência de trabalhar no Brasil. Torço para que ele possa fazer um bom trabalho, e certamente vai fazer.
P. - Ele vai ter uma rotina diferença da que tinha nos clubes, com poucos dias de treino. Isso pode atrapalhar?
PF - Tudo na vida tem prós e contras, certo? Tudo. Na seleção brasileira, ele escolhe os jogadores que ele quer para fazer o esquema que ele quer. Em clubes, muitas vezes, não é possível. Ele disse ter trabalhado com 34 brasileiros, então sempre houve essa relação. Ele vai ter menos dias para se preparar para o primeiro jogo, depois vem outra partida, também com poucos dias, mas ele conta com muitos jogadores talentosos. Vai poder organizar o esquema que quiser, porque os jogadores que estão à disposição podem buscar o que ele pedir. Ele é muito inteligente.
P. - Ele sempre teve carinho pelo Brasil?
PF - Sempre teve essa relação. Ele conhece, gosta do Brasil, gosta do futebol brasileiro. Quando cheguei à Itália, lembro que ele cantava para mim a música do "Meu Amigo Charlie Brown", do Benito di Paula. Você não deve conhecer, porque é novo, mas fez muito sucesso. E eu cantava para ele "Champagne", de Peppino di Capri. Naquela época, havia um intercâmbio da música brasileira com a italiana, mas isso parou. Então, ele ficou com uma, e eu, com a outra. Ele começou a conhecer um pouquinho do Brasil por conta da música. Nós tivemos um amistoso contra o São Paulo em 1984, mas ele não jogou porque estava machucado, se não me engano. Ele também estava na comissão do Arrigo Sacchi, em 1994, quando o Brasil conquistou o tetra. Aquele foi o ano que fez a diferença, porque o Brasil tem cinco Copas do Mundo e a Itália tem quatro.
P. - Houve uma proposta para que você assumisse um posto na comissão dele?
PF - Não houve proposta. Também ainda não conversamos. Ele está chegando agora, tem que ficar à vontade para fazer as coisas no tempo que bem entender.
Você já disse que o Ancelotti é um cara que sabe desmontar polêmicas. Essa parece uma característica necessária atualmente, com tudo o que acontece na CBF.
Essa é uma característica muito boa que ele tem, que acho que pegou com as sacadas do Nils Liedholm [jogador e técnico sueco morto em 2007], nosso treinador na Roma. Ele tinha essa capacidade de desmontar qualquer problema na hora, fazia as pessoas rirem apesar de um assunto sério. É uma liderança que vejo no Carlo. O Nils, na época em que jogava no Milan, enfrentou o Puskás, que era do Real Madrid. É uma história que conto nas minhas palestras.
O Puskás era o Messi dessa época. Ele fez três gols no jogo, e o Nils disse: "Eu o marquei bem". O repórter respondeu: "Mas ele fez três gols". E o Nils rebateu: "Mas só fez três, certo?". Aí, as pessoas caíram na risada. O Carlo é assim. Claro que, na hora em que precisa, ele vai para o confronto, mas é muito difícil, muito raro. Claro que falo isso pelo que vejo, afinal sou cinco ou seis anos mais velho, então não tive como ser jogador dele [risos].
P. - Você já fez alguns intercâmbios com ele, inclusive no ano ado, no Real Madrid. Foi o último encontro?
PF - Isso, foi a última vez que nos vimos. Foi no jogo entre Real Madrid e Manchester City, que acabou em 3 a 3 [em 9 de abril de 2024, pelas quartas de final da Liga dos Campeões]. Eu tinha ado um tempo com eles lá, acredito que entre uma semana e nove dias, e ele me perguntou se eu achava que o que foi feito nos treinamentos foi aplicado durante o jogo. Ele pergunta mesmo, tem o diálogo, não é o dono da verdade, apesar de ter a capacidade de ser. Eu já fui várias vezes nos clubes em que ele trabalhou. A comissão dele é muito boa. E ele está muito feliz de vir ao Brasil, que é o mais importante.
P. - Falta pouco mais de um ano para a Copa do Mundo. O Ancelotti deve construir a seleção pensando no Neymar ou é hora de olhar mais para jogadores como Vinicius Junior e Raphinha?
PF - Essa é uma situação que depende dele, depende do Neymar. Ele tem toda a potência. Ele tem que querer. Eu também não estou dizendo que ele não quer ou que não está podendo por um motivo ou por outro. Eu não convivo assim com o Neymar para ter opinião. Eu não gosto de dar uma opinião em cima de coisas que eu não vejo e não acompanho.
Eu sei da qualidade dele. Isso é inegável. Embora ele não esteja jogando [com regularidade, com seguidas lesões], não esteja mostrando essa qualidade, ele tem. No fundo, ele tem muita qualidade, nós sabemos. Só que só isso não basta. Tem que ter condicionamento físico, tem que ter uma intensidade que o futebol exige, mesmo tendo muito talento. Eu torço para que ele chegue pronto. Torço para que ele consiga entender que o futebol, além da qualidade, além da inspiração, é muita transpiração.
Raio-x: Paulo Roberto Falcão, 71
1953, Santa Catarina - É ex-jogador, ex-treinador e comentarista de futebol. Começou a carreira no Internacional em 1973, atuando também por Roma (Itália) e São Paulo, onde se aposentou em 1986. Disputou as Copas do Mundo de 1982 e 1986 pela seleção brasileira. Pelo período na Itália, ficou conhecido como 'Rei de Roma'.